segunda-feira, 1 de julho de 2013

Entrevista com o diretor de teatro José Luiz Ribeiro Parte I

Daniela Aragão: Como começou a música em sua vida?

Zé Luis: Teatro e música para mim são coisas indissociáveis. Eu costumo dizer quanto a minha primeira experiência com o teatro, que ele entrou na minha vida sob a forma de terror. A primeira peça que vi foi quando fui “deixado” por um tio “emprestado”, porque eu não tenho familiares no Brasil. A minha família era pai, mãe, uma irmã e o resto todo português. Minha ascendência toda é lusitana, o que me ajudou muito em diversos pontos de ligação com a cultura brasileira. Eu vi um espetáculo que depois, mais velho, justamente fazendo análise, cheguei a conclusão de que deveria ser “A Branca de Neve”. Vi a cena de um caçador com um nariz enorme e com uma espingarda vestido num tipo safári e uma menina gritando desesperadamente : “-não me mate não me mate”. Foi essa a primeira cena que vi na minha vida. Esse tio “emprestado” pertencia a liga católica Jesus Maria José lá na igreja da Glória, onde existia um teatro chamado Teatro São Geraldo, na varanda em frente em que os padres usavam, Ali hoje tem um pombal e aí amolei tanto o porteiro que ele teve que me levar até o meu tio, pois eu não fui ver o teatrinho. Eu costumo dizer que, talvez, Dionísio tenha me dado o recado:, “afaste-se disso, pois isso vai queimar sua vida inteira” e foi isso o que aconteceu. E quando eu vejo essa colocação de música, afirmo que ela sempre foi uma coisa muito forte na minha vida porque ,meu pai sendo português mas tendo ficado algum tempo na Argentina, escutava sempre muito rádio. O rádio sempre foi uma presença muito forte na minha formação, eu sou de 42. Existia um rádio que regulava a vida da casa. Esse rádio era no quarto. Meu pai ,que era muito industrioso, logo fez um alto falante que, mediante uma conexão, tocava na cozinha. Ali se ouvia as novelas da Rádio Nacional, que era a hora em que a empregada arrumava a cozinha e tal e a gente fazia dever na mesa da cozinha. Sou filho de assalariado, então, era uma classe média baixa em que tudo se fazia nos cantos. Então ,ali, se ouvia “Presídio de mulheres” e nesse momento a sonoplastia sempre foi uma coisa muito forte que me despertou porque a Rádio Nacional ,daquela época, trazia os cantores populares que vinham da favela como: Angela Maria, Emilinha Borba, que “nasceu” no Cassino da Urca, depois a Marlene, que eram os cantores populares. Tinham também aqueles que chamávamos de maestros que eram Lillo Panicale, Radamés Gnattali. Eram os grandes arranjadores e que trabalhavam no Teatro Municipal. Então você tinha o erudito e o popular juntos ,que você via nos arranjos. Então esses arranjos soam muito fortes nos meus ouvidos. Até hoje quando eu componho e mando para o Giovanini, que é o meu grande arranjador, uma pessoa que está ligada a minha vida de muitos anos, eu já logo tenho uma visão tipo: “ aqui eu quero cordas, aqui quero madeira” porque eu tenho uma concepção sobre aquilo que desejo realizar. Ouvindo essa rádio e sua sonoplastia e suas histórias, eu formei na minha cabeça um conhecimento, mesmo que o estudo em algumas vertentes não tenha avançado muito pois, num determinado momento ,eu fui largando coisas. Por exemplo, eu comecei pintando. Houve um tempo em que participei de salão e tive menção honrosa junto com Carlos Bracher, Celina Bracher e Dnar Rocha. Se tivesse continuado... talvez mas, como a pintura é uma arte muito solitária e eu sou muito social, como bom geminiano, acabei largando e trazendo a música para o teatro pois ,desde a tragédia grega ,elas estão associadas. O coro sempre foi a grande fala do teatro, pois, é a sociedade que canta e tudo ali sempre me fortaleceu. Meu pai sendo português, tendo passado pela Argentina, escutava muito tango e muito fado e isso está muito na minha cabeça. Ao mesmo tempo, a Rádio Nacional fomentava uma quantidade enorme de cantores do programa César de Alencar, no programa Manoel Barcellos e essa música ,“um milhão de melodias”, trabalhava justamente a cabeça. Minha geração que era justamente a do Milton, do Chico, Caetano, foi uma geração influenciada pela música tocada no rádio que fazia com que a imaginação da gente aumentasse muito. Até hoje ,quando vou escrever uma peça, sempre tem uma música tema que toca antes . Engraçado, quando eu fecho os olhos vejo muita imagem e então, quando tomo anestesia, é uma verdadeira viagem, como se fosse LSD porque eu vejo imagens, abrem se cortinas (risos). Eu ouço música o tempo todo e gosto de ficar em silêncio. Sempre tem uma música na minha memória tocando de um lado para o outro, porque há uma memória muito rica. Por exemplo: coisas que você não sabe e que ficam no seu subconsciente. Eu era bem novo e devia ter uns dez anos talvez. Vi um espetáculo no teatro Glória, de marionetes, em que uns esqueletos saiam das tumbas e tocavam umas músicas. Tempos depois ouvindo Sansen, a dança macabra, eu identifiquei que era aquilo que eu ouvia. Essas músicas ficam como retalhos dentro da minha cabeça e vão tocando o tempo todo. Durante muito tempo eu compus música na máquina de escrever, quando a máquina tinha barulho. Eu faço música para o teatro porque tive a honra de ter Sueli Costa musicando espetáculo meu, Maurício Tapajós também ,um grande amigo que já está do outro lado. Dudu Arbex, Marcinho Itaboray ,foram pessoas que já trabalharam comigo em determinado momento. A gente gostava de música ao vivo mas ,a gente fazia cinco espetáculos. Quando passamos a ter temporada de dois meses começou a complicar pois ,os músicos, não aguentam dois meses de temporada a não ser que sejam muito bem pagos. Eu faço teatro de voluntariado. Eu não ganho nada. O teatro me deu muita glória e muita honra mas, eu não posso dizer que eu sobreviveria com o teatro. Por isso a gente faz um trabalho muito de voluntariado mesmo e voltado para uma rede social. Tenho um projeto que se chama: Escola de Espectador. Tenho duzentas comunidades que assistem os espetáculos gratuitamente sem apoio governamental, sem nada disso.

Daniela Aragão: Esse diálogo com os músicos é muito enriquecedor pois, você vai se integrando a uma espécie de linguagem específica que acaba se formando com cada grupo.

Zé Luiz: Com certeza. Maurício Tapajós, Marcinho Itaboray ,começa conosco quando o Maurício compôs Ierma. Bilinho, Maria Célia, Chico Teixeira . Temos algumas trilhas antigas gravadas pelo Bilinho Teixeira e o Estevão. Todos esses elementos gravados pelo padre Elbasto lá, no Instituto Maria. Depois começamos a fazer playback. Hoje ,praticamente, este próximo espetáculo está todo com música ao vivo mas uma coisa muito simples. Uma flauta, um violão, um tarol e um bumbo e vozes, com uns meninos cantando e uns arranjos vocais. Já tive Lisieux Costa fazendo arranjo, muita gente. Então, depois que a temporada fica muito grande, começamos a querer colocar um violino na história, um cello naquela cena e aí começamos a trabalhar muito com o Giovanini, que é um músico que toca na noite mas de formação clássica e uma pessoa muito sensível e que nos damos muito bem. Então, dessa história para frente, eu posso falar da minha versatilidade em música, sou muito eclético. Nos meus bolachões você pode encontrar ópera, que adoro, ponto de macumba, música folclórica, rock, rock progressivo,eruditos você tem Stravinsky, mas tem Chopin.

Daniela Aragão: O que me vem a cabeça ao conversar com você é a questão da performance, que toca o universo cênico. Desenvolvi esse assunto na minha tese de doutorado sobre a cantora Adriana Calcanhotto que traz, na performance ,um de seus pontos destacáveis. A voz e seus desdobramentos performáticos envolve o universo desta cantora e também dos atores. Desenvolvi um capítulo da minha tese em torno da questão do desempenho da voz e isso permeia muito o seu trabalho também, não é? Muitos atores seus também cantam.

Zé Luiz: Eles cantam. Eu começo com aquele mi, sol, dó que não precisa de ter aquele registro que vá lá em cima embora, de vez em quando, a gente tenha. Mas quando a pessoa está cantando muito bem ,ela vai para o lado da música e vai gravar o seu cd pois , isso se tornou mais fácil com a tecnologia. Então, daí para frente ,essa reunião de música. Eu gosto muito de ballet, e cinema foi,também, uma coisa fortíssima na minha vida e continua sendo. Talvez eu tenha feito teatro porque é uma arte que dá para o pobre fazer, cinema não. Cinema ,naquela época, dependia de muita tecnologia e dependia da questão de moviola e uma série de coisas,mas, a imaginação continua sendo cinematográfica.

Daniela Aragão: Se você pega para ouvir as músicas do Nino Rota ,acho que é impossível dissociar do Fellini.

Zé Luiz: Não dissocia nunca mesmo, então, a música no cinema é um elemento importantíssimo para mim. Coisas que eu gosto a cada momento, John Willians, Nino Rota, todos esses grandes. Se você pegar a música dos anos 50, o cinemascope, ela tinha Quovadis, aquelas coisas. Ah ,eu tenho uma alma de hippie pois adoro metal (risos). Agora fico feliz pois, depois do Bob Marley, depois da outra parte ,os metais entraram . Começamos ,então, a trabalhar com os atores pois, o ator, tem que dançar, tem que cantar e se possível, tocar um instrumento. Hoje, por exemplo, o pessoal do grupo de teatro Galpão, cada um aprendeu a tocar um instrumento para poder resolver porque o teatro ,hoje, está muito associado a música, principalmente instrumental. A partir daí nós fizemos várias experiências e durante muito tempo, a música fez parte dos meus espetáculos e eu recorri a esses compositores maravilhosos.Mas, com a pobreza que a gente tem, você não pode manter um músico profissional convidando né? O nosso último músico foi o grande Manduka, filho do Thiago de Mello, que até morreu e que fez a trilha da Tempestade, que eu dirigi no Rio. O “Coronel de Macambira”, que eu dirigi no Palácio das Artes com um coral maravilhoso, vinte e cinco cantadeiras. Então ,esse arranjo, isso tudo me ajuda muito. Então, como a música entra no meu trabalho? Eu já disse que, cada peça que tem, faço uma pesquisa musical e costumo brincar muito com os atores. Se você vier a um espetáculo meu, vai perceber que tem meia hora de música antes da peça, porque temos a neurose de começar a peça na hora certa.

Daniela Aragão: Claro. Me lembro das ótimas músicas que faziam uma espécie de prelúdio e já colocavam o espectador numa atmosfera em sintonia com o que propunha a peça.

Zé Luiz: Então, elas marcam um horário, eu tenho vinte minutos de uma trilha gravada. Vai tocar o tema do quadro de uma exposição do Musorgski, que é o nosso tema de chamada (cantarola), vai mudar de quadro e depois tem mais cinco minutos com a ficha técnica e aí começa. Nesse momento eu faço alguma coisa. Primeiro com os meus atores : Wilson Batista, Noel Rosa, coisas que eles jamais escutariam. Vicente Celestino, Patápio Silva, Anacleto Medeiros, Chiquinha Gonzaga, todas essas pessoas que foram importantes a gente coloca. Por exemplo, se eu tenho uma peça mais popular eu ponho: Jorge Veiga, Bezerra da Silva, para aclimatar. Mas é claro que, se eu fizer Molière, eu vou colocar Loli, trechos mais eruditos. Mas, aquilo ,já é uma antecâmara, aquele momento que o público está entrando e a peça já está começando, musicalmente. Ela está falando. A gente não fala. Estou trabalhando com a terceira idade e ,este ano, é centenário de Vinícius de Moraes e a terceira idade é a faixa etária que tem mais diálogo comigo. Estou, então, fazendo um trabalho sobre Vinícius e sempre aproveito para os meus meninos. Então eu trabalhei toda a trilha sonora em cima de Bach, que é uma forma da gente contaminar esses meninos com algumas coisas. Eu dei uma aula no Colégio Magister nos anos 70 e era uma turma maravilhosa. Eu ensinava gravura mas, tinha sempre um Vila Lobos tocando, um Trenzinho do Caipira. Daí ,em determinado momento ,os meninos perguntavam: “-Essa música é o quê?”. Aí era hora da gente chegar .E eu trabalhava pelo contágio. Eu acho que ,em arte ,a pessoa tem que conhecer e reconhecer pois ,quando ela vê e revê com outros olhos o que lhe dá prazer, é o que ela reconhece. Quando você chega perto de uma turma e canta: “meu coração não sei porquê”, todos cantam porque existe um lastro comum que, infelizmente, a gente está perdendo nesta sociedade do Big Brother. Temos que dar uma gotinha a cada momento, a cada passo. Tenho uma influência do Stanislavski no teatro mas ,tenho uma influência muito grande também do Brecht pois, o Brecht, trabalha com música de Kurt Weill. A música chega até a pessoa e, como eu gosto muito de ópera também, essas influências me tomam, fazem parte do meu imaginário. Quando eu dirigi o “Jesus Vitorioso”, que a Ana Maria Ramos fez toda a direção musical com dez corais evangélicos contando a vida de cristo, me realizei. A música sempre rege. Eu tenho ,praticamente, um metrônomo na cabeça para dar o ritmo do espetáculo:”agora a afretamento, agora psicato; você tem que fazer essa linguagem “puladinha” para sua voz sair; essa fala vai sair como se fosse “chicotada”; agora vamos trabalhar o legato; essa aqui é mais lenta...” Isso tudo vai se juntando ao meu processo de criação para o ator, e,muitas vezes, a gente não explica.

Daniela Aragão: É possível extrair de uma amador, que nunca subiu num palco? Eu me lembro de colegas que não seguiram carreira profissional de ator ou atriz aqui, no palco, com falas longas e bem articuladas.

Zé Luis: Agora, eu terminei um espetáculo chamado :“A era do malandro”,onde trabalhei com Bezerra, Noel. Três semanas de curso e terminei com um espetáculo de 50 minutos. Com gente que nunca tinha entrado mas ,que tinha muita vontade. Claro que você vai dando o espaço e, quando termina, eles ficam assustados. Eu trabalho com terceira idade desde 1973, quando era um curso de atualização da mulher. E trabalho com adolescente e universitário. Vai juntando tudo.Se bem que, acho que o adolescente e a terceira idade são iguais, ambos gostam de andar em grupo, gostam de comer muita coisa. Quando começo um trabalho, começo com música pois, é um elemento de integração. Então, agora, Vinícius de Moraes está sendo uma beleza,mas, pegar 353 músicas do homem para selecionar para um espetáculo de uma hora e traçar a trajetória de vida dele, não é mole. Eu fiz um espetáculo sobre Ari Barroso, sobre telefone, enfim, trabalho tematicamente. Com isso vamos fazendo a pesquisa da música. Ela é muito importante para mim.

Daniela Aragão: E o Vinícius tem um percurso permeado de mudanças. O início religioso e metafísico, lá, com “Caminho para distância” e “Ode e Exegese”, até o lance mais carnal...

Zé Luis: Tem as músicas, as crônicas. O lance dele fazer a primeira comunhão, quando já tinha sido entronizado na maçonaria. Então, ele tem uma história. Depois ,vai trabalhar com Mãe Menininha do Gantois. Ele passa por tudo e eu ,quando jornalista, entrevistei o Vinícius. A matéria era: “O deve e o haver de Vinícius”, que é uma obra dele que foi perdida. A questão da música: já fui jurado em alguns festivais como o de Cataguases ,que revelou Maria Alcina. A coisa importante foi a ligação com esse pessoal. Quantas noites eu,Mauricio Tapajós e Sueli costa, íamos para o Largo do Cruzeiro. “Ponta de areia”, do Milton (Nascimmento), é o começo de “Girança”, a peça que fiz porque eu viajo. Uma das coisas que gosto é aquela canção: “Se eu quiser falar com Deus” apago a luz e escuto a música sentadinho no meu sofá.

Daniela Aragão: Interessante pois, as parcerias do Milton Nascimento com o Fernando Brant, ilustram esse percurso do “viajor de sonhos”, que tem a profissão: viajante. A “travessia” né, está no percurso buscando, sempre em trânsito.

Zé Luis: Acho que uma epígrafe que uso ,quando a vida não está boa: “minha casa não é essa ,aqui não é o meu lugar”. E vou lá para trás. Vou em Janete Mac Donald, Nelson Ed, nas operetas todas, passo por isso tudo.

Daniela Aragão: E haja vigor e ousadia pois ,você costuma colocar em cartaz simultaneamente uma peça adulta e uma infantil.

Zé Luis: Estou numa média de dedicação de quatros horas por dia a escrita. Acabei de fazer ,agora ,“A era do malandro”. Estou escrevendo :“A cidade e a felicidade”. “ Faço uma limonada” está parado, porque ,outros espetáculos vão entrando na frente e vai estrear :“O senhor dos papéis”.

Daniela Aragão: Nunca me esqueço da primeira vez em que assisti a uma peça sua. Era: Putz. Fiquei muito impactada. A trilha sonora era linda, fora os figurinos e a iluminação.

Zé Luis: A entrada dos ventos para mim me faz arrepiar até hoje.Não sei se você se lembra...

Daniela Aragão: Minha mãe me trazia para assistir suas peças e tinha um livrinho que eu gostava de colorir, uma espécie de história visual e a gente comentava sobre os personagens da peça.

Zé Luis: Uma das coisas interessantes: tinha um restaurante, Mc Donalds ,perto da Arpel e a gente saía com o pessoal da peça e ,uma das coisas que mais me dá prazer, é ver as crianças saírem cantando “Lá na china é assim, todo mundo tem os oinho apertadim”, que é a música que eu fiz para o “Rouxinol do Pescador”. Porque ,como eu tenho essa visão, acabo compondo a música dramática.Você vai ver que essa aqui tem o arranjo da Ana Maria Ramos. O arranjo é muito bonito. Funciona com três ,quatro vozes mas ,não teve a “comunicabilidade” das coisas da gente. Em “O mistério das Nove Luas”, compus todas as músicas na percussão. Tem uma série de músicas compostas para os atores cantarem ,sem ter aquele grande problema que a ópera antiga tinha. Então a música, nesse sentido ,controla a minha vida.Existe sempre uma música. Antigamente você comprava um cd ou bolachão por causa de uma música.Aí ,de repente, você ouvia as doze e reconhecia alguma: “Há canções e há momentos que eu não sei como explicar...” e,aquilo estava lá no fim e você dizia : coisa linda!!! Hoje não,pois,os meninos já descem a música programada pela internet e tal.

Daniela Aragão: Hoje você não tem mais referencial de autor, arranjador, nada. Sabe-se, em geral ,só o nome do intérprete.

Zé Luis: Isso é uma coisa porque, o teclado, também perdeu elementos .Mas você engana, num certo sentido. Você imita um som de um oboé, por exemplo. O brasileiro é um povo muito musical mas,estou sentindo, por exemplo, que os universitários estão perdendo muito isso. Fui assistir a: “Os Miseráveis “,na Broadway. Essa foi a primeira peça que vi na Broadway. Aquilo começou com” Lo Tow” e foi me arrepiando de uma tal maneira e fui assistir ,depois, ao filme que adorei. E vi muito aluno meu dizendo que, tinha “muita música”... as pessoas estão perdendo isso. Ora ,um musical tem que ter música.

Daniela Aragão: Sempre digo que fui fazer letras por causa da música. A música me leva para a poesia e a poesia me traz de volta para a música. E as pessoas lêem o texto e dissociam da arte, prendem-se a uma folha de papel sem fazer nenhuma inferência. Você sabe quem é Bergman, quem é Tom Jobim? Só sabe o que o professor mandou.

Zé Luis: As pessoas não sabem ler, pois, não estão ouvindo mais. Eles não escutam, o mundo não existe e o mundo é cheio de sons. O sujeito sai com um fone, um aparelhinho no ouvido e o mundo não existe. Você sai e vai passear num museu,tem música. Quando acordo e na janela meus passarinhos correm para um lado para o outro, eu estou ouvindo. Quando estou ouvindo a voz dos meninos ,quando vou escrever, eu acho que eles estão escutando pouco, vendo pouco e se fechando num castelo interior. A vida das pessoas é colocada publicamente nos celulares. Aquilo que o Seneca fala ,que é o “declínio do homem público”. O privado está acabando.

Daniela Aragão: O excesso de comunicação e a incomunicabilidade ao mesmo tempo.

Zé Luis: É a entropia mesmo, pois, é uma barulhada enorme. Você vai num lugar para conversar com os amigos e está um som desgraçado,você não ouve. Eu brinco, com meus alunos, que eu me sinto um cantor de churrascaria. O cara está cantando “Meu mundo caiu” ,num sofrimento, e os caras estão blábláblá. Isso você vê no teatro: o ator ,no palco, se arrebentando, contando uma história e o sujeito na platéia com um joguinho!!! As pessoas estão insensíveis e como, então, se vai escutar música? Você não tem mais aquela filigrana. Quando apareceu o cd ,eu fiquei encantado ao notar um sino no “Baterfly”!!! Li ,no Globo, que as pessoas estão perdendo a audição. Como a melodia está sendo suplantada pela percussão, pelo ritmo! É a sociedade!. Você tinha Chopin, com aquela belíssima evolução musical, agora, é ritmo impositivo. Fui assistir o espetáculo: “Gonzagão a lenda”, onde você tem violino super esticado, quase uma rebeca, uma bateria, um acordeon e um cello e eles cantando divinamente. A cena do encontro do Gonzagão com o filho: “quando eu soltar a voz por favor me entenda” ,eu saí enlouquecido,!! Acho que ,desde Macunaíma, do Antunes (Filho), eu não vejo um espetáculo tão na ponta da cadeira. Como o cara fez um roteiro e trançou!! Então, essa questão da dramaturgia, de você falar não falando, cantar não cantando, que a Nana Caymmi faz tão brilhantemente!!!

Daniela Aragão: Isso me faz lembrar o DVD “ Micróbio do Samba” da Adriana Calcanhotto: uma linguagem minimalista, que compõe uma revisão do samba, concentrado em três músicos e as pessoas, não têm paciência. Será que está sobrando som, excesso, barulho?

Zé Luis: Eu acho que a sociedade está no neo barroco. Aquela quantidade de coisa que te entorpece e ,esse entorpecimento ,está no joguinho e na violência. A minha geração, esta geração que já está se acabando, ouvia uma música, ia para um show e se emocionava.

Daniela Aragão: E você vem da última geração formada pela literatura.

Zé Luis: A gente leu muito. Quando eu estava ,no quartel, lia: “A Divina Comédia”. Isso funcionou, num certo sentido, para as coisas que eu faço e música também. Hoje, ninguém agüenta ouvir uma música e eu ,adoro. Principalmente porque estou sempre revendo. Uma ária, por exemplo. Quando solteiro eu dedicava meu sábado, a tarde, a escutar uma ópera inteira. Quando chega no: “Porgy and Bess”, na hora que entra no jazz. Eu vou nesse trânsito. Então, aqui ta: “Clementina”; aqui ta tal coisa; é um mix que funciona. Se você pega a geração que o Vila Lobos trabalhou, todo mundo mete o pau no Getúlio e tal mas, a cultura daquela época, com aqueles cantos corais, mesmo que seja invocação em defesa da pátria: “Oh natureza do meu Brasil...”, pudesse hoje nós termos alguma coisa ufanista em termos de Brasil, nós temos só “o ladrão assaltou ta tatá”.

Daniela Aragão: O Chico Buarque disse que: “esse modelo de música composto por uma letra bem elaborada com a música de qualidade”, seria um “gênero extinto”. O ápice, que se daria com Tom e Vinícius, daí, Aldir e João Bosco, Paulo César Pinheiro, Vitor Martins.

Zé Luis: Você pega o Sabiá: “Vou voltar”. A questão do Vinícius, literatura, música e o Wisky o “cachorro engarrafado”, o melhor amigo do homem. Esse ano eu estou fazendo 50 anos de teatro e olho para trás. Muita coisa foi feita mas, tudo a se perder no tempo pois a memória de quem viu vai desaparecer.

Daniela Aragão: Estive com meu amigo ,Joãozinho da Percussão, que me falou:“eu rodo o mundo e volto para Juiz de Fora”. Coisa semelhante me falou o Carlos Bracher, mesmo morando décadas em Ouro Preto e rodando o mundo ,ele me fez refletir sobre a vocação cultural de Juiz de Fora que está se perdendo.

Zé Luis: Eu acho. Há momentos fundamentais na minha vida. Quando eu fui dirigir:” O coronel de macambira” a Norma Silvestre me convidou para dirigir o curso de atores no Palácio das Artes. Ela queria tentar minha transferência para a UFMG e tal


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