sábado, 12 de dezembro de 2009

Bernard Fines é luxo só


Bernard Fines é um músico francês que já se tornou brasileiro. Belíssimo timbre, bom gosto e sensibilidade são as marcas de Bernard. Batemos um longo papo sobre música brasileira, jazz e música francesa. Segue aí:



Daniela Aragão: Você é cantor e músico também? Qual é sua formação?


Bernard Fines: Eu sou músico. Minha primeira formação foi piano clássico, estudei na França. Estudei 5anos, piano, solfejo, teoria musical, aí depois fui desenvolvendo a música como autodidata. Depois estudei contrabaixo, voltei ao piano, enfim, pelo piano e pelo teclado montei uma banda de jazz na faculdade. A gente se apresentava em botecos de jazz no norte da frança. E aí vim para o Brasil, eu sou engenheiro. Estudei engenharia acústica e vim ao Brasil para fazer um estágio de mestrado, quando cheguei no Brasil fui trabalhar numa região isolada, que não tinha eletricidade e tal. A casa era de madeira, de pescador, de caiçara, não tinha como ter piano, teclado, e comprei um violão, fazia tempo que queria tocar violão, já arranhava e tal. Comprei um violão e fui aprendendo com os brasileiros, nas festas.


Daniela: Não falava nada de português?


Bernard: Muito pouco, era um português de Portugal, fiz aula de português, mas não entendia nada do que as pessoas falavam. Aí fui pegando pela necessidade assim. Comecei a aprender violão assim, comprei as revistas Coro de Cordas e os amigos brasileiros ajudando. Na França a gente tem uma inibição muito grande em relação a arte, enquanto a coisa não está super pronta, a gente não apresenta. Aqui simplesmente o pessoal botava o violão na minha mão e dizia: - canta. Aí eu falava, não sou cantor, não sou violonista, não sei nenhuma música, e acabava cantando. Em francês primeiro e em português depois.

Daniela: Você já conhecia a música popular brasileira?

Bernard: Sim, a Bossa Nova, João Gilberto, disco do João Gilberto principalmente. Daí, quando eu cheguei no Brasil, descobri o Caetano, que me chamou atenção pela letra. Descobri Caetano, Elis Regina, que na frança eu não conhecia.

Daniela: Estranho Elis não chegar lá, ela fez até o 13º Festival de Montreux. A maior cantora brasileira.


Bernard: Chega lá Elis, mas para um público mais específico. Mas realmente é a Bossa Nova que todo mundo conhece na França, Caetano, Elis, o Chico, já é um público mais específico.

Daniela: Interessante o Caetano ter te chamado atenção, pois é um compositor sofisticado e que escreve em português.


Bernard: Muito interessante na letra do Caetano é que por exemplo “Esse papo já tá qualquer coisa” (cantarola), eu pedia para os meus amigos brasileiros explicarem a letra e eles não conseguiam.

Daniela: Ah isso que faz parte do próprio feeling do brasileiro, são expressões que dizem respeito a nossa língua. Como tem coisas que são muito próprias dos Franceses, expressões da língua, que não tem tradução.


Bernard: É. Então isso foi fundamental para mim. E aí comecei a tocar nos bares MPB, principalmente Chico, Caetano e Gilberto Gil.

Daniela: Aí você cantou em português? Tem Joana Francesa do Chico, que é tão bonita e mistura o francês e o português

Bernard: Em português. Em 2005 eu apresentei Joana Francesa com uma banda em Curitiba no Teatro do Paiol. E hoje eu canto ela direto, no meu último cd gravei com participação do Leo Gandelman, bem bacana, uma delícia.


Daniela: Você tem disco solo gravado?

Bernard: O último disco que gravei, lancei pela Delira Música, que é um selo do Rio. Eu convidei um trio de jazz para me acompanhar, a gente está junto faz quatro anos. Eu não trouxe eles aqui porque é um festival de duo, mas sempre tocamos juntos. É um casamento, na verdade um trio instrumental brasileiro, que toca jazz com um cantor francês, esse é o espírito. O resultado é uma banda, um quarteto em que eu sou cantor, sou vocalista, mas cada um tem o seu espaço, tão grande quanto o meu, para improviso e tal. Por exemplo na hora do solo do contrabaixo o baixista vai para frente e é a vez dele.

Daniela: Pela condução do seu canto, deu para perceber que você traz toda uma concepção jazzística.

Bernard: Toda.

Daniela: Eu amo Speak low e nunca tinha ouvido em francês, com você agora achei o máximo. Já cantei muito essa canção numa orquestra de jazz e tal, mas em francês para mim é inédito.


Bernard: Na verdade eu sempre gostei de jazz, mas nunca morei na Inglaterra, nos Estados Unidos, não domino a língua inglesa. Tem o Claude Nougaro, que é um cantor-poeta que fazia versões, melhor, adaptações de Standards de jazz para a língua francesa. Ele morreu em 2004 e foi consagrado só depois que morreu. Editaram um cd que le gravou pela Blue Note, nos EUA, até aí ele era conhecido só na frança. Daí resolvi dar mais um espaço no trabalho dele através do meu. Então hoje eu apresentei bastante versões minhas, que é a uma forma de se apropriar da música, fazer como se ela fosse um pouco minha.


Daniela: Você se acompanha ao violão?

Bernard: Acompanho sim. Violão e voz, o que no jazz fica um pouco difícil, pois eu não tenho um nível técnico para tocar um violão com uma levada de jazz. Agora já toquei bastante em bar, em Curitiba primeiro, depois na região de Rezende, onde eu moro.Moro em Penedo, do lado Rezende


Daniela: Você continua com a profissão de engenheiro?

Bernard: Não, só músico. Eu comecei em 2003 violão e voz nos bares e aos poucos fui procurando o meu caminho, trabalhei com percussionista, mais um pianista. Depois eu encontrei um trio de Jazz que é o João Bittencourt trio, formação de guitarra, baixo e bateria.

Daniela: Você já participou de outros festivais de jazz?

Bernard: Em Ibitipoca, Penedo, Savassi em BH, alguns festivais de cultura francesa, o C’est si bon em São Paulo e no Rio, agora não lembro muito. No Rio está rolando também quarta feira, vou fazer no espaço cultural, sempre tem shows.

Daniela: Achei um barato a maneira como você assimilou a cultura brasileira e como funde com a sua. Traz um resultado muito interessante.

Bernard: Eu amo muito música brasileira, pois estudei música brasileira no conservatório de Curitiba, a partir daí comecei a apresentar minha primeira banda. A gente se apresentava em festas e o repertório era Luiz Gonzaga, Chico e tantos. Esse repertório ficou na minha história. As vezes as pessoas que acabam de me conhecer perguntam: - Você conhece Trem azul?. Digo que já cantei e tal.


Daniela: São quantos anos de Brasil?

Bernard: 17 anos

Daniela: Você fala muito bem português, traz sua marca nos erres é claro, mas é sua identidade.

Bernard: Sim, é minha identidade

Daniela: E entre os franceses: Jacques Brel, Piaf. O que você traz para o seu repertório?


Bernard: O último cd que gravei são só os clássicos da música francesa, jazz pelo trio brasileiro. Então é uma mistura bem interessante. O repertório é Ne me quitte pas, do Jacques Brel, La vie em Rose, de Piaf, quatro músicas de Charles Aznavour, C’est si bon, Yves Montand. Só os clássicos. Porque aí a gente faz uma outra leitura dessas músicas por dois motivos, primeiro porque eu pesquisei bastante para ver o que tinha sido feito, eu não vou fazer, por exemplo, La vie em rose em Bossa Nova, porque já tem três gravações assim pelo mundo. Então vamos fazer outra história, e mais, eu chamei o trio de jazz, a gente fez os arranjos juntos, foi uma coisa de criação mesmo. Eu mostrei violão e voz, uma coisa bem básica, e eles foram rearmonizando. Com todo o talento que os brasileiros tem. Graças justamente a eu ter conseguido deixar rolar solta a criatividade dos músicos brasileiros que estavam trabalhando comigo. Isso é que é o mais importante.

Daniela: E um próximo trabalho?

Bernard: Sim, agora vai ser um disco de parcerias. Estou trabalhando em cima de música do Nelson Faria, Gilson Peranzzetta, Márvio Ciribeli. Vamos lançar esse cd no ano que vem, muito brasileiro.

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