quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Victor Biglione: o número 1


Do dia 13 ao 16 estive em Tiradentes a convite de Vicente Martins, diretor do Duo Jazz Festival. Foi um enorme prazer conversar com os músicos: Victor Biglione, João Carlos Assis Brasil, Rai Medrado, Dudu Lima, Tony Oliveira e Guinga. Segue abaixo o bate papo descontraído e alto astral com o talentosíssimo guitarrista número 1.



Entrevista com Victor Biglione no Restaurante da Vovó, em Tiradentes numa noite quente de sábado do dia 14 de novembro de 2001.


Daniela Aragão: Já que estamos com o livro aqui na mesa, nada melhor do que começarmos por ele que abrange toda a sua carreira. Como é que surgiu essa idéia?


Biglione: Eu estava andando na rua e um jornalista, acho que foi o Luiz Pimentel, do Jornal do Brasil, falou assim : “O Victor, presta atenção no que eu vou te falar, eu tenho a impressão que dos músicos que não nasceram no Brasil, você é o cara que mais trabalhou com a música brasileira, você já se tocou disso?” Eu falei uai (bem mineiro) não. A partir disso procurei o Instituto Cravo Albim e a Heloísa Tapajós me recomendou (a Losinha maravilhosa, irmã do Mú, do Dadi, que eu toquei na Cor do som) e apresentou o Ricardo Cravo Albim, que eu já conhecia, é lógico. Me indicaram esse menino, o Euclides Amaral, esse pesquisador (mostra o livro). Foram seis meses de pesquisa, um trabalho sensacional e eu sempre cuidei das minhas coisas, guardei o material fotográfico todo, tem mais de 70 fotos com artistas da MPB. Aí foi um presente, meus 50 anos, essa moda né, o cara que fez mais gol no brasileiro....Arrumei meu recordezinho, meu recordezinho de leve, eu fiquei felicíssimo pois para um cara que não nasceu aqui ser tão bem recebido de braços abertos pela MPB. Foi um negócio maravilhoso.

Daniela: Eu vou tentando retomar na memória uma série de discos em que eu vejo sempre o seu nome

Biglione: Exato. Tem um capítulo que se chama Victor Biglione de A a Z, são mais de 250 nomes da MPB. Eu ainda peguei o finzinho da fase de ouro da MPB assim, trabalhei com música brasileira mesmo.

Daniela: Você tocou com a Elis?


Biglione: Toquei. Não tem ninguém que eu não toquei. Quer saber o que eu gravei com a Elis? Para Lennon e MC Cartney, no Luz para as estrelas, limparam a voz dela e chamaram arranjadores que nunca tinham trabalhado com ela. O Wagner Tiso me chamou, o Gilson Peranzzetta. Fiz parte desse rearranjo. Com ela viva eu só fiz o especial do Daniel Filho, o Grandes Nomes, que ela faz com a Gal. Eu vi ela viva, tocamos juntos Vivendo e aprendendo a jogar, do Guilherme Arantes. Aí fizeram essa idéia maravilhosa da Som Livre, tem dois artistas que eu trabalhei depois deles já terem falecido, a Elis e o Tim Maia. Eu gravei um disco com o Tim Maia quando ele já estava falecido chamado Sou Tim, eu gravei o Lindo lago do amor, do Gonzaguinha e gravei Saigon, essa música é linda né?

Daniela: A que você atribui esse fato de tocar com todo mundo? A sua versatilidade que te faz ser esse número um...E você tem uma personalidade muito própria, tem uma identidade o seu tocar.

Biglione: Eu gosto da música toda: samba, jazz, bossa nova, blues baião, o que for. Eu trabalho com cinema também, fazendo trilha, eu tenho dois kikitos. Assinando trilha sonora mesmo, eu ganhei o Festival do Rio, o festival de conservatória. Adoro cinema, e vão entrar nesse ano dois filmes que estou assinando, o Elvis e Madonna e o Caçador de sonhos. E eu gosto de tudo, não vou me prender a uma coisa só, eu gosto da música no todo dela. Eu penso igual ao Vicente (idealizador e diretor do Festival) “programa tudo”, gosto disso que está tocando, só não gosto de coisa ruim.

Vicente: Ano que vem podemos programar um duo com suas trilhas de cinema. As imagens seriam exibidas ao fundo. Uma sugestão...

Biglione: Pô, legal, ótimo. E o fato de eu ter sido criado em Copacabana ajudou muito, é uma mistura muito grande e você recebe tudo o quanto é tipo de informação. Minha mãe estava me apresentando o Reginaldo Bessa, toda a turma da Bossa Nova, eu estava escutando Led Zeppelin, aí acordei Baile, com Zé Kéti. Tudo muito presente, muito verdadeiro.

Daniela: Você começou a tocar quando?

Biglione: Com 12 anos eu comecei a tocar, e como minha mãe era metida a moderninha já concordou que eu fosse músico.

Daniela: Desde pequeno você já sentiu que música era a sua praia?

Biglione: Não, eu queria ser jogador de futebol. Mas eu fiz teste para o Flamengo e fui reprovado, aí fui lá pra Marechal Hermes e fui aprovado. Aí meu pai falou, você foi aprovado, mas ele gostou de você para zagueiro. Falei - ah não, zagueiro não, nenhum garoto quer ser zagueiro. Foi um cara amigo da minha mãe, um hippie, que apareceu com o violão, me apaixonei por violão e nunca mais parei. E vi que tinha mais jeito pra tocar do que pra futebol, você percebe isso.

Daniela: Lembro de você no Cultural e também tocando na Pró Música com o Wagner Tiso. O que me impressionou foi essa sua capacidade de transitar entre os gêneros.


Biglione: Lá no Cultural eu estava tocando rock, eu adoro. Eu gosto de tudo o quanto é música e a MPB foi me levando a variedade de artistas, um recomendando para o outro da MPB, acabei gravando com quase todo mundo. Não tem ninguém que eu não gravei, toquei ou participei.


Daniela: O que você mais ouviu que te influenciou?

Biglione: O que eu mais ouvi e estudei sempre foi o jazz, a minha escola é jazzística. Eu estudei mesmo foi o jazz, as escalas, os acordes, a harmonia, a Bossa Nova, aquela coisa toda de acompanhar. Mas de ouvir eu ouço todo mundo. Não coisa ruim, é claro. Aqui no Brasil depois da gente ter Glauber Rocha, Edson Machado, Zé Kéti, Cartola, Sérgio Mendes, Chico Buarque, Egberto Gismont, Hermeto. É triste tanta coisa ruim hoje.

Daniela: O que você está gravando agora? Algum disco autoral?

Biglione: Esse ano eu fiz coisa pracaramba. Eu lancei um disco de guitarra, essas guitarras de jazz, só tocando Tom Jobim, chama Uma guitarra no Tom. Super cool, só tocando Tom Jobim. Depois lancei Tributo a Ella Fitzgerald, só Ella abrasileirado, arranjos brasileiros. Ainda lancei esse livro. Foi lançado dia 5 de novembro. E vou falar, morar no Brasil para mim é um sonho, é um país que eu adoro. Tem um monte de amigo meu que me pergunta: “você torce para quem, Brasil ou Argentina?”. Eu falo que torço para a Argentina, é lógico, mas não frequento a Argentina, esses amigos meus por qualquer dez merréis já vão para a Argentina, gastar lá. Eu falo, eu torço para a seleção Argentina mas gasto meu dinheiro todo, centavo por centavo no Brasil. O que que adianta, torce pro Brasil êêêêê e amanhã já está embarcando para Buenos Aires. Lindo é o Brasil, é o meu Rio de Janeiro. Buenos Aires tô fora. Já viajei muito, mas o maior país do mundo para mim é o Brasil. Você pode viajar, voltar com o dinheiro forte, euro, dóllar, agora morar eu sempre tive certeza que o lugar é o Brasil. Já recebi inúmeras propostas, mas morar eu moro no Brasil.

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