quinta-feira, 19 de novembro de 2009

João Carlos Assis Brasil: "O que eu mais gosto é criar"


Entrevista com o pianista João Carlos Assis Brasil na Fundação Oscar Araripe, em Tiradentes. Uma manhã de sábado do dia 14 de novembro de 2009.


Daniela Aragão: Quando você começou a tocar?

João Carlos: Comecei com 3 anos, eu ganhei um pianinho de brinquedo que me despertou. Aí com quatro anos comecei a estudar. Eu tinha uma única tia que tinha um piano de verdade e fui lá e comecei a tocar, compor, a improvisar e pronto.


Daniela: Já saiu sozinho?


João Carlos: É, desde criança que eu componho. É dom mesmo, nasci com isso.

Daniela: Sua formação é clássica né?

João Carlos: Totalmente clássica. Fui para Paris, Londes, Viena, fiquei muitos anos na academia de Viena. Estudei pra valer, ganhei prêmio internacional Bethoven. Da década de oitenta para cá que resolvi expandir para o popular.

Daniela: É interessante um pianista clássico do seu porte abrir espaço também para acompanhar cantores como Olivia Bygton e Ney Matogrosso.


João Carlos: Eu gosto, é para criar. O que eu mais gosto é criar. Por exemplo, no show de hoje eu faço isso, peço sempre ao público que me dê duas ou três notas e com essas notinhas eu faço uma composição na hora. Faço sempre isso. Então na Europa eles caem o queixo, pois eles não tem isso. E isso é o que eu mais curto fazer, criar mesmo. Esse concerto inteiro vai ser nessa base, menos as músicas de Villa Lobos que são originais. Do Villa Lobos vou tocar Prelúdio das Bachianas n 4, Alma brasileira e Impressões Seresteiras.

Daniela: Você está vivendo aqui no Brasil?

João Carlos: Estou, mas recebi um convite da Espanha, já toquei lá em Salamanca. Daí me convidaram para ser professor da universidade de lá. Ano que vem pretendo ir para lá e abrir uma Cátedra Villa Lobos, ou seja, para ensinar música brasileira, clássica e popular e tudo o que tenho direito. Não é uma coisa totalmente formalizada, mas vai rolar. Pelo que entendi vou ser uma espécie embaixador brasileiro na Espanha para ensinar a nossa música para eles.

Daniela: O mercado para a música clássica continua bastante complicado no Brasil, não é?

João Carlos: Continua muito complicado, não somente a música clássica, mas a popular também. Os valores que a gente estava acostumado acabaram. Hoje em dia vale o que vende, o que faz sucesso. E a gente que faz uma coisa mais elaborada, mais sofisticada, é como dar murro em ponta de faca. Difícil. Essa é uma das razões também porque eu estou querendo ir embora. Claro que vou voltar sempre para tocar, não vou abandonar nunca o meu público, minha família, mas pretendo ir.

Daniela: Manter um nível de qualidade para um público que não está habituado é complicado.

João Carlos: Sim, eles estão acostumados a ouvir o trasch,. Quer dizer, para fazer um nível de trabalho mais elaborado, mais sofisticado, não é de cara que esse público vai receber.

Daniela: Não tem educação musical nas escolas

João Carlos: Pois é, não tem, tem que ser uma coisa muito bem elaborada, feita com a cabeça, não pode ser imediato. Tem que ser uma coisa muito bem planejada, mas ninguém está nem aí, só querem ganhar dinheiro.

Daniela: E você já tocou aqui nas universidades de música do Brasil?

João Carlos: Já, em quase todas. Eu dou aulas na Escola Villa Lobos, no Rio. Na Academia Lourenço Fernandes. Já dirigi música na faculdade Estácio de Sá, quando tinha música.

Daniela: Acho que todo mundo acaba tocando nesse ponto, é inevitável.. Você e seu irmão gêmeo, o saxofonista Vitor Assis Brasil . Vocês dois são músicos talentosíssimos e com caminhos próprios.

João Carlos: Eu vou fazer junto com um saxofonista um concerto todo voltado para as composições do Vitor, terça e quarta no SESC. Eu sempre estou tocando as músicas dele, meu outro irmão Paulo que tem uma produtora sempre faz homenagem a ele, todo ano.

Daniela: Tem ainda coisas inéditas do Vitor?

João Carlos: Tem muita coisa inédita. Agora mesmo eu doei o legado dele para a escola, o xeróx. Formaram um quinteto de saxofone . Quanto mais gente conhecer isso melhor, nada melhor do que você doar isso para escolas.

Daniela: Ele deixou arranjos?

João Carlos: Deixou, quer dizer tudo não, pois no jazz algumas coisas você caminha. Essa é a magia da música popular. Agora a música clássica é dificílima no sentido de que você tem que acompanhar tudo aquilo que está ali e ao mesmo tempo colocar a sua personalidade em cima, e isso tudo com uma sutileza muito grande. Agora no jazz e na música popular a dificuldade não se encontra no que está escrito, é você criar. Porque no popular você tem que criar, você tem que ser um criador. Vai improvisar como, o que é improvisação se não criação. No popular o difícil é isso, a pessoa tem que ter esse dom.

Daniela: Você traz também. Tom recebeu muita influência de Villa Lobos né?


João Carlos: Tom era um homem culto, ele ouvia tudo, claro que foi influenciado. Villa Lobos que dizia, quando ele sentia uma influência ele se sacudia inteiro, tal a personalidade forte que ele tinha que queria ser ele mesmo, original. Ele era um cara incrível, fiz um concerto semana passada, só Villa Lobos. E eu sempre converso com o público, uma espécie de enterteinement, que é o que gosto de fazer. Então eu pincei umas frases de Villa Lobos que são extraordinárias, uma delas diz assim: “A minha música são como cartas que eu escrevi para a posteridade, sem esperar resposta nenhuma”.

Daniela: Essa fala do Villa bate com a conversa que eu estava tendo ontem a noite com o contrabaixista Dudu Lima, que é um músico de vertente jazzística. Ele estava falando desse lance de deselitizar a linguagem do jazz, trazer essa “música difícil”para o público. Então ele comunica, tenta tirar essa aura.

João Carlos: Pois é, tem uma coisa de dificuldade e sofisticação que torna difícil das pessoas compreenderem. Então é importante que você decodifique um pouco, abra outros códigos para o público.

Daniela: Isso é muito importante

João Carlos: Com certeza. É uma função didática.

Daniela: Mês passado a PUC-Rio realizou um evento de uma semana inteiramente dedicado a reflexão sobre a MPB. Com a parceria da gravadora Biscoito Fino estiveram por lá Francis Hime, Paulo César Pinheiro, José Miguel Wisnik, Maria Bethânia e outros. Tem se tentado abrir espaços para a música brasileira.

João Carlos: A Biscoito Fino tem desenvolvido um trabalho fantástico, eu fui um dos primeiros a gravar lá. Tenho uns dois ou três discos lá. Hoje em dia eles são a gravadora mais importante, todo mundo está lá. Olivia é uma pessoa extremamente artista, uma mulher extremamente culta, sofisticada, ela não põe nada que não seja de alto nível. Juntou ela e a kati, pronto.

Daniela: eu indiretamente acabei sendo uma divulgadora da gravadora ao escrever textos sobre os cds deles para jornais aqui de Minas.


Daniela: E agora o que você está fazendo? Compondo? Gravando?

João Carlos: Faz tempo que não gravo, eu estou com um projeto, mas ainda não pintou a oportunidade. Uma coisa que eu gostaria muito de fazer é gravar só canções brasileiras e americanas. Ainda não aconteceu, mas chega tudo na hora certa. Esse é um projeto que eu tenho muita vontade de fazer.

Daniela: E só com piano?

João Carlos: Só piano, uma coisa para você botar e viajar.

Daniela: E algum disco específico sobre o Vitor?

João Carlos: Pretendo sim, ainda não tenho nada pautado, mas pretendo. Tem muita coisa que ainda tem que ser gravada. Eu tenho várias missões a cumprir.

Daniela: Agenda cheia?

João Carlos: Tem ido bastante bem, dadas as circunstâncias. Agora eu agradeço muito ao Sérgio Costa e Silva, que é o diretor da Música no Museu, pois foi através dele que fui para a Europa, Portugal, Espanha, o maior sucesso. Tenho tocado sempre, desde que ele abriu a série Música no Museu. Então essa coisa do convite para a Espanha aconteceu através dele e possivelmente eu vá para a Índia e o Egito para fazer concertos lá, e tudo pela Música no Museu. Ele está fazendo um trabalho fantástico no Brasil todo e agora implantando no exterior. Se não me engano ele fez no ano passado 590 concertos. Ele tem dado enorme oportunidade a tudo o que é pianista jovem, músico jovem que não tem espaço. É um rapaz do maior valor.

Daniela: E algum trabalho com cantor?

João Carlos: Fiz com Bethânia agora dois, músicas do novo disco dela, o “Tua”. A primeira e a última faixa, eu abro e fecho.

Daniela: O trabalho da Bethânia está muito bonito e o que ela tem de sabedoria da palavra, da poesia...

João Carlos: É, ela é uma grande atriz além de cantora. Ela sabe lidar com a palavra e passa isso na música. Eu acho que ela e o Ney Matogrosso são hoje em dia os que tem mais veracidade e competência de todos.

Daniela: Acho que a gente tem que batalhar é por esse tipo de trabalho, é difícil, mas vale.

João Carlos: Sim, é um desafio e as vezes a coisa difícil te dá mais prazer do que a coisa fácil. Você tem que lutar mais.

Daniela: E quais você considera suas maiores influências?

João Carlos: Todo o repertório da música clássica e todo o repertório maravilhoso da música brasileira e americana. A americana eu digo dos anos 30 até os anos 60, que é um manancial maravilhoso. Alto nível! Então tudo isso conviveu comigo desde que eu sou pequeno. Ninguém cresce se não preservar esse valores.

Um comentário:

Tamara Queiroz disse...

Olá, boa tarde, Daniela!

Meu nome é Tamara e faço parte da empresa Tempo Composto Ltda. contratada pelo SESC para pesquisar e licenciar imagens para o livro “A pequena democracia das madeiras”.

Os editores desejam inserir, nesta publicação, uma imagem de Victor Assis Brasil, porém estou com dificuldade em fazer contato com a família do artista para solicitar autorização de uso de imagem.

Pesquisando vi que você tem uma entrevista com o irmão dele e gostaria de saber se poderia me ajudar com isso? Colocando-me em contato com alguém da família ou até mesmo passando meu e-mail: tamara@tempocomposto.com.br

Agradeço desde já.

Um abraço,

Tamara