quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O Brasil no Humberto Mauro


Cataguases já começa a respirar cinema dois meses antes de começar o Cineport, o Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa, que acontecerá na cidade entre os dias 01 e 12 de junho. Pelo que pude ver, ao vivo e a “muitas” cores, foi um sucesso o debate realizado com estudantes – principalmente da FIC, as Faculdades Integradas de Cataguases – no dia 13 de abril no Centro Cultural Humberto Mauro.


Exibiram-se, em dois dias, os filmes “Bye bye Brasil”, de Cacá Diegues, e “O Caminho das Nuvens”, de Vicente Amorim. A projeção era excelente e realçava, deixando muito mais explícito, o festival de cores do filme de Cacá, antes ocultado pela pequena tela de televisão –pelo menos para mim, que só o conhecia em vídeo. Revi “Bye bye Brasil” com emoção redobrada. Controvérsias à parte, esse é um bom filme por vários aspectos, mas principalmente por ter uma das mais belas canções do cinema brasileiro.


Conheci a música homônima muito antes de ver o filme, uma letra enorme que vai de encontro à estética fragmentária do cinema. “Bye bye Brasil”, a música de Roberto Menescal-Chico Buarque, é uma espécie de canção-roteiro que permite ao ouvinte ter uma idéia geral do filme antes de assisti-lo. Ao ouvirmos a canção, filme à parte, seus flashes – embalados por uma cadência rítmica que obedece a um movimento crescente – parecem descrever o percurso da trupe mambembe que protagoniza o filme.


A “Caravana Rolidei” posa de ator principal do filme. Um caminhão molambento que corta o Brasil levando poeira afora artistas maltrapilhos em busca de territórios ainda não invadidos pelas antenas de televisão: “Eu quero voltar, podes crer/ Eu vi um Brasil na tevê/ Peguei uma doença em Belém/ Agora já tá tudo bem/ Mas a ligação tá no fim/ Tem um japonês trás de mim/ Aquela aquarela mudou...” Pena a canção ser tão pouco aproveitada: aparece apenas no final do filme, quando poderia ter sido utilizada para pontuar várias cenas.


Um certo saudosismo aliado a um humor cáustico permeia o filme. Cacá Diegues mostra o “brasil-brasileiro”, arcaico, sendo seduzido pelos apelos do Brasil-americano-moderno, onde chique é engulir o lixo do suposto luxo norte-americano. “Lorde Cigano”, o personagem de José Wilker, assume magistralmente sua faceta híbrida, uma mistura carnavalesca do mágico Mandrake com Clóvis Bornay. Uma das cenas mais comoventes do filme acontece quando Mandrake-Cigano faz nevar em pleno sertão, usando coco ralado como artifício. Está ali a miséria, está ali o sonho “fake” e irremediavelmente hollywoodiano: “Parece coco ralado”, diz um dos personagens.


Já “O Caminho das Nuvens”, filme baseado na história real de uma família que se desloca de bicicleta da Paraíba até o Rio de Janeiro, mostra uma espécie de “Retrato do Brasil”, embora bastante camuflado pela chamada “cosmética da fome”, como bem lembrou o convidado especial do debate, o poeta Antônio Jaime Soares, citando a crítica carioca Ivana Bentes. Nesse filme, a miséria é revestida por uma estética “clean” que de certa maneira impossibilita o pacto com a realidade. Aqui, vale lembrar a fala de duas estudantes que participaram do debate: “Será que não posso achar a Claudia Abreu bonita? Eu venho ao cinema para relaxar”. E a outra: “A gente não precisa mais de ver a miséria tão explícita, já que temos essa idéia construída em nossa cabeça por já vermos tanto essas coisas”.


Controvérsias à parte, o filme tem as canções de Roberto Carlos como fio condutor, e é através delas que o diretor procura traçar o retrato de um “Brasil verdadeiro”. Em todos os cantos e cantares do país que o filme quer representar aparece a voz de alguém entoando uma música do Rei, que alimenta de sonho, esperança e alegria a família como um todo. A cena mais tocante ocorre quando Claudia Abreu, acompanhada apenas pelo precário tocar do violão de seu filho, canta “Como é grande o meu amor por você”. É forte o seu sotaque, carregado de pungente pureza: “Eu tenho tanto pra lhe falar/ Mas com palavras não sei dizer/ Como é grande o meu amor por você / E não há nada pra comparar/ Para poder lhe explicar/ Como é grande o meu amor por você.” Um grande momento de um filme que vive de pequenos momentos. E nisso está um pouco de sua grandeza.


Nesta semana, dias 03 e 04, a Fundação Cultural Ormeo Junqueira Botelho estará promovendo mais dois debates “FIC-Cineport” no Centro Cultural Humberto Mauro. Marginalidade e homossexualismo serão os temas em questão. Na tela, os filmes “Amarelo Manga”, de Claudio Assis, e “Madame Satã”, de Karim Anouz. No palco, na quarta-feira, dia 04, a ilustre presença do escritor e dramaturgo Alcione Araújo. É ver para não perder. Ver para debater.

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