sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Mahgah “Eller”


Luz, câmera, canção: CINEPORT é também show (de bola). De calças largas como uma skatista, camiseta laranja griffe Adidas, cabelos curtinhos e rosto suave e belo, Cássia Eller, entra no palco. Isto é, Mahgah. Depois de mais de uma hora de atraso, já pra lá “das uma e meia da matina”, com o Anfiteatro Ivan Müller Botelho absolutamente lotado, algumas pessoas ao meu lado já nervosas, como a atriz Fernanda Lobo: “tanta demora, será que vai valer a pena?” Também eu, inquieta e já bastante cansada depois de dois dias de total agito cultural, aguardava o show sem grandes expectativas.


Quando ouço falar em “tributo” a alguma figura célebre do mundo musical, quase sempre espero ver/ouvir um cover, o que de certa forma não me alegra, mas satisfaz os muito fanáticos e entristece os que enxergam o artista como um ser único, com identidade própria. Confesso que sou extremamente resistente a certos tipos de homenagens em que o intérprete em cena se descaracteriza totalmente para, de uma maneira artificial, “fake”, incorporar o ídolo. Mas esse não é o caso de Mahgah, jovem cantora belorizontina que mandou ver num show emocionante e verdadeiro.Acompanhada por dois violonistas e uma percussionista, ela inicia a noite com uma das mais belas e intensas interpretações de Cássia Eller, “Non, je ne regrette rien”, canção muito famosa na voz de Edith Piaf e que ganhou uma releitura visceral na voz de Cássia: “Não, não me arrependo de nada” diz o primeiro verso desta canção, uma espécie de despedida.


Assisti a dois shows de Cássia Eller, um logo no início de sua carreira, em 1990, e outro em 2001, meses antes de sua morte. Ela impressionou-me muito desde o primeiro instante em que a ouvi cantando “Por enquanto”, de Renato Russo, numa fantástica levada folk: “Mudaram as estações, nada mudou/ Mas eu sei que alguma coisa aconteceu/ Tá tudo assim tão diferente”.


Sua voz muito potente era ácida e doce, rouca, rascante, bela, singular. O primeiro disco já deixava explícita na capa sua atitude de ousadia: a cantora aparecia trajando jeans surrados e camiseta de malha solta, chutando literalmente um balde. A “garotinha”, quem sabe?, chegava com um repertório nada careta no mercado, gravava Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, Jorge Salomão e até mesmo Clarice Lispector na canção “Que o Deus venha”, um texto de Clarice musicado por Cazuza e Frejat: “Sou inquieta, áspera/ E desesperançada/ Embora amor dentro de mim eu tenha/Só que eu não sei usar amor/ As vezes arranha/ feito farpa”.


Em seguida vieram trabalhos cada vez mais ousados e marcantes, como o disco “Marginal” – em que Cássia assumia totalmente seu lado roqueiro, acrescido de uma forte influência do blues. Embora fosse extremamente tímida na vida, em cena ela conseguia extravasar tudo: “No palco eu nunca tive vergonha. Eu tinha medo de errar, de não dar conta de fazer. Timidez eu tenho de ser apresentada para as pessoas que eu não conheço. Quanto às caretas, eu sou assim mesmo. Agora, quando eu cuspo, chuto, eu estou representando um personagem”.


Ela era intensa, tocante, arrebatadora. Lembro-me da paixão com que interpretou o repertório de outro companheiro marginal, o Cazuza. Sob a sempre talentosa direção de Waly Salomão, Cássia Eller entregou-se por inteira ao interpretar o poeta que falava a sua linguagem.


Depois, com Nando Reis, encontrou um equilíbrio entre o repertório mais MPB e o rock. Em “Com você meu mundo ficaria completo”, ela troca o gestual masculino por uma concepção mais suave, tanto que aparece na capa brincando com pose de sex-symbol, de calcinha branca e cabelos longos: tudo produção, é claro.


Quatro anos se passaram e Cássia permanece viva acima de qualquer limitação do gueto de sua tribo. O público caloroso que assistia Mahgah naquele sábado de noite estrelada era formado por pessoas de todas as idades. O sorriso meigo da cantora mineira, sua interpretação sincera, sensível, sem arroubos, deixou-me comovida em muitos momentos. Eu não sabia se estava feliz ou triste por ouvir/sentir Cássia Eller assim tão próxima. Quando Mahagh cantou “Milagreiro”, todos no Anfiteatro soltaram a voz com forte emoção, como se assim pudessem trazer Cássia Eller de volta.

Um comentário:

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

"rosto suave e belo" não via nela um rosto suave ou belo, mas era uma cantora única e para mim depois de Elis Regina uma das poucas com atitude musical singular. Infelizmente não fui a nenhum dos seus shows, o que é uma pena. Gosto muito e sempre vou amar.